Frequentemente ficamos sentimentais quando nos lembramos de quando éramos mais jovens, quando as regras eram mais claras, as escolhas menos avassaladoras e as exigências eram menores. Comer, é claro, não é exceção a isso.
Se ouvires as vozes dominantes do “marketing-médico” atual enquanto estás a jantar, a refeição já vai ficar arruinada e te vais culpar pelo resto da noite. Somos alimentados com estudos contraditórios, avisados sobre as últimas ameaças à espreita, informados de que cada mordida destrói a vida de um ecossistema e conduzidos a armazéns com iluminação fluorescente cheios de mais opções de alimentos e rótulos do que uma pessoa jamais deveria ser. É cansativo e frustrante. Então, qual é uma abordagem razoável nesta época em que a ansiedade muitas vezes supera o prazer de comer?
No tempo de nossos ancestrais primitivos, uma alimentação saudável era um esforço totalmente irracional. Ninguém sabia nada sobre ciência nutricional na Era Paleolítica, até porque isso não importava. A consideração deles nunca passou da pergunta direta (embora dramática): “É venenoso?” Além dessa única consulta (que geralmente oferecia um feedback rápido), não existiam escolhas erradas.
Infelizmente para nós, pessoas modernas, não podemos nos dar ao luxo de explorar a comida sem pelo menos algum grau de reflexão.
Temos o ônus da escolha e o ônus das informações (muitas vezes conflitantes), certo? A partir daqui, a reflexão pode se transformar em deliberação crónica, cansativa ou até opressiva – daí a ansiedade, a preocupação excessiva ou o desconforto sobre o resultado ou impacto do que deveria ser apenas uma simples escolha alimentar.
É realmente difícil fazer escolhas que são social e ambientalmente conscientes, de comércio justo, de origem humana, com visão de futuro, anti-alérgicas, com bons preços, boa proporção de gordura, rico em antioxidantes, baixas em gordura, livre de pesticidas, hormonas e aditivos… ufa, isso é muito cansativo, nao é mesmo?
Então, como tentar manter a sanidade nesse cenário? Como recuperamos espaço mental suficiente para sentir algum grau de bem-estar, para além do prazer de comer, novamente? Experimenta algumas destas humildes propostas:
1. Recupera a alimentação para o sustento
É comum falar em “comer para emagrecer”, “comer para combater doenças”, “comer para ganhar músculos”, “comer para prevenir o envelhecimento”. Podemos voltar a atribuir a verdade a nisso?
Nós comemos para viver – para sobreviver, para permitir que o nosso corpo receba nutrientes e energia suficientes para mantê-lo vivo e a funcionar. Muito simples. Depois de interiorizar isso, podemos passar a comer com o objetivo principal de nutrir a vitalidade física, ou comer com ênfase na construção de massa muscular, ou comer a priorizar o funcionamento metabólico ideal e a queima de gordura. Essa percepção emocional faz toda a diferença.
Se te tens sentido a comer “para” qualquer coisa, dá um passo para trás e reformula o cenário. Todas as manhãs, em todas as refeições, faz questão de dizer a ti mesmo que estás a comer para viver, para aproveitar o tempo nesta terra. O resto é extra.
2. Não politizes cada escolha alimentar que fazes
A moralidade de comer, hoje em dia, pode atirar uma pessoa decentemente sensível de um precipício. Quantos rótulos e certificações são necessários para atender ao padrão “correto”? Pelo que notamos, esse número aumenta todos os dias.
É claro que concordamos que alguns desses padrões são relevantes: os orgânicos, por exemplo, oferecem (na maioria dos casos) benefícios substantivos à saúde. As raças tradicionais de produção e pecuária podem ser mais ricas em nutrientes. Priorizar práticas agrícolas humanas e ambientalmente sustentáveis sempre que possível deve ser sim algo a ter em conta.
Mas o ideal será não nos envolvermos em questões de moral todas as vezes em que pomos um pedaço de comida na boca. Isso traz culpa e autocensura. Uma sugestão é ver as escolhas sociais, ambientais e humanas da alimentação como interesses e não como pré-requisitos invioláveis.
3. Deita fora a ideia da perfeição
A comida é importante. Boas escolhas alimentares podem ajudar-te a reivindicar boa saúde e vitalidade ao longo da vida, mas analisar essas escolhas exatas, estruturar a ingestão com precisão, não dar espaço para escolhas no momento e aderir aos princípios com exatidão, parece uma maneira miserável de viver. Dá espaço para tomares decisões “menos boas” e não te culpares por isso.
4. Não dramatizes os teus erros
O que quer que tenha levado ao “passo em falso”, não há razão para dramatizá-lo. Aconteceu. Não dês mais energia a isso a lamentar de arrependimento pelo deslize. As “aldrabices” alimentares de vez em quando não são catastróficas. Comportamentos repetitivos e de longo prazo sim.
5. Escrutina os teus motivos para “falhar”
Muitas pessoas se perdem na ansiedade com a alimentação porque colocaram suas identidades em suas escolhas. Algumas pessoas sentem que são hipócritas, outras sofrem de compulsão perfeccionista que remonta a décadas, outras sentem-se infelizes. Em comum elas têm um controle excessivo com a comida porque alguma outra parte da vida pode estar “a tremer”. Este é um mecanismo para sentir segurança ou autoridade em suas vidas.
Isso não é maneira de viver. A saúde nunca cobrirá uma vida emocional com problemas noutros campos.
6. Volta para a experiência em si
Pára de contar uma história sobre o que estás a comer e começa a sentir-te a comer. Parece óbvio, mas essa narrativa obsessiva e implacável é exatamente o que fazemos. Experimenta cortar com a linguagem e foca-te em apenas estar com a comida do mesmo jeito que uma criança faz.
Entrega-te à experiência sensorial do que estás a dar ao corpo. Cheira, sente a textura, vê. Troca palavras por sensação.
7. Sê grato por cada mordida
Como poderíamos não ser gratos pela oportunidade de nutrir nossos corpos?
Se a ansiedade é o medo dos resultados ou do impacto, ela nos afeta no futuro. Se é um desconforto sobre a origem de algo, isso nos levou ao passado. A gratidão flui mais fortemente quando vivemos o presente. Quando estamos aqui no agora, quando nossas mentes estão no mesmo tempo que a refeição à nossa frente, podemos finalmente desfrutar dessa refeição em paz.
Come para viver, e sê feliz. Bons treinos e refeições!
Traduzido e adaptado de 7 Ways to Deal with Food Anxiety escrito por Mark Sisson, onde podes encontrar também todas as referências bibliográficas;